segunda-feira, 22 de novembro de 2010

HÁ 47 ANOS JOHN KENNEDY ERA ASSASSINADO E NÃO FOI SÓ ELE DE POLÍTICO MORTO NO CONTURBADO SÉCULO XX


POR REINALDO JOSÉ LOPES

Gavrilo Princip continuou sem entender como seu ato minúsculo gerou conseqüências tão devastadoras até o fim de seus dias. Não que esses tenham durado muito: o jovem terrorista sérvio-bósnio morreu com apenas 24 anos, braço esquerdo amputado por causa de uma tuberculose nos ossos, num hospital perto da prisão austríaca onde estava encarcerado. Morto em 28 de abril de 1918, Princip não viu o fim da carnificina que ajudou a criar quando assassinou o príncipe Francisco Ferdinando, herdeiro do Império Austro-Húngaro, quatro anos antes. Seu crime foi o estopim da Primeira Guerra Mundial e, para muitos historiadores, marcou o começo para valer do século 20.

Que o século passado foi o mais sangrento da história, ninguém duvida. Um pouco mais difícil de perceber é que esse padrão violento tenha atingido, como nunca antes, os sujeitos que mandavam nos destinos das nações – presidentes, reis, primeiros-ministros, cada vez menos vistos como intocáveis. Na nossa cabeça pós-século 20, parece óbvio colocar esses sujeitos na mira, mas por muito tempo não foi bem assim, conta o historiador britânico Eric Hobsbawm em seu clássico Era dos Extremos: “Esquecemos que o velho revolucionário Friedrich Engels ficou horrorizado com a explosão de uma bomba republicana em Westminster Hall (sede do Parlamento inglês) – porque, como velho soldado, afirmava que a guerra se travava contra combatentes e não contra não-combatentes”. Por mais que Engels detestasse a idéia, no entanto, mandar dirigentes desta para melhor virou algo tão comum que o ato ganhou até nome – “magnicídio”, ou, segundo o dicionário, “assassínio de grande homem, de pessoa eminente”.

Ok, lutas pela poder que terminam com a morte do contendor mais fraco acontecem desde que o mundo é mundo. E os líderes também acabam perecendo. Na Idade Média, o senhor feudal era praticamente intocável e matá-lo não iria causar nenhuma mudança importante na vida de ninguém. A não ser na dele, é claro. Na Era Moderna, quando os reis passaram a ter poder de verdade, eles eram assassinados como moscas. Porém, geralmente o soberano era vítima de uma luta política não raro contra seus próprios parentes, em conspirações palacianas. Depois da Revolução Francesa, nenhuma cabeça coroada estava mais segura em cima do próprio pescoço. Reis, czares e imperadores passaram ser executados pelos novos donos do poder e isso acontecia como o ponto culminante de um movimento social, de uma revolução ou de uma guerra.

No século 20, no entanto, o magnicídio deixou de ser mera estratégia de quem já era poderoso (e queria sua parte do bolo do poder) para se tornar uma arma de transformação política, empregada indistintamente por partidos e militantes à direita ou à esquerda. Dela podiam tanto se servir fanáticos, como Princip e seus colegas da organização nacionalista sérvia Mão Negra, quanto Lee Harvey Oswald, o comunista meio ingênuo que matou John Kennedy. De um lado ou de outro, a radicalização ideológica trazia justificativas mais do que suficientes (na cabeça dos assassinos) para esse tipo de atentado.

Para Hobsbawm, esse tipo de ativismo de minorias engajadas e/ou fanáticas também é uma característica do século 20. Às vezes essa minoria pode ser apenas um homem, mesmo que se desconfie de seu envolvimento com partidos ou forças políticas. Um exemplo é o turco Mehmet Ali Agca, que quase matou o papa João Paulo II e talvez tenha sido orientado e financiado por comunistas búlgaros e russos. Os interesses mundiais das grandes potências, que evitaram uma guerra de fato, também serviram para inflamar o ódio contra líderes alinhados a um lado ou ao outro. Se, por um lado, os soviéticos estiveram envolvidos com a tentativa de morte do papa, os Estados Unidos patrocinaram diversas tentativas de matar Fidel Castro.

Não foi só o clima político e ideológico, no entanto, que deu combustível a esse tipo de ação. A mesma tecnologia que ajudou a inaugurar a era do massacre em massa nas guerras do século 20 ampliou o acesso ao uso de armas baratas e precisas (pistolas automáticas, metralhadoras e rifles de repetição), ou de explosivos com peso relativamente pequeno perto de sua capacidade destrutiva.

No fim das contas, os assassinos conseguiram mandar uma alarmante galeria de poderosos para a cova, além de dar um belo susto em muitos outros (leia os quadros ao longo da reportagem). O resultado político dessas ações, contudo, nem sempre foi dos melhores para os matadores, ou aqueles que eles representavam. Princip queria que a Bósnia se unisse à Sérvia num Estado eslavo, o que aconteceria por um tempo com a criação da Iugoslávia – ao preço de milhões de vidas. Por sua vez, os que mataram o presidente egípcio Anuar Sadat e a primeira-ministra Indira Gandhi (radicais islâmicos e sikhs, respectivamente) buscavam o fim da política repressora dos dois chefes de governo, mas só conseguiram exacerbar a perseguição contra eles mesmos. O magnicídio pode até parecer a vingança perfeita, mas seu custo é, invariavelmente, alto demais.

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